quinta-feira, julho 15, 2004

Theatro de Seraphin

DIA 17, as 23:00 hs, estaremos no palco da pç Tereza Batista, abrindo o show de Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta!

terça-feira, julho 13, 2004

Dia do Rock : 13 de Julho

Pois é!
Mais uma data a se rever! Dia Mundial do Rock!
Nós, da Theatro de Seraphin estamos fazendo a nossa parte, com muito gosto!
Passamos a madrugada em estúdio gravando, para quem sabe postar algumas músicas por aqui...
em breve...

domingo, julho 11, 2004

A Mágica do Jogo de Espelhos


Prelúdio: Não contamos o tempo e não importa o lugar. Talvez aqui. Não sei onde é “aqui”. Não há mais vida como a conhecemos. A ciência progrediu assustadoramente em quinhentos anos. O planeta está murcho como uma fruta sugada até o fim. A lógica não funciona nos moldes da Filosofia, guerras nucleares secaram o solo, destruíram a vida, alteraram o cotidiano.
Vive-se cada vez menos e cientistas concluíram, através de muitos estudos, durante os séculos, que uma peste bacteriana incorporou-se definitivamente nos compostos naturais do planeta. A solução foi desenvolver métodos de implantes genéticos para combater a velhice precoce e construir máquinas esterilizadoras, que precisaram ser constantemente acionadas. Vive-se em média vinte anos, em cômodos apertados, hermeticamente fechados e povoados por máquinas.
O processo de enxerto genético tornou-se a principal tecnologia de sobrevivência, mas trouxe também suas sequelas. Para ativar o pensamento, foi sintetizada uma proteína catalisadora do raciocínio. Através de pesquisas exaustivas durante anos, chegou-se a um composto: O ADR (Adrenalizante Cerebral), capaz de ativar uma ampla rede neural correspondente à lógica.
A partir das experimentações com o primeiro composto ADR, as descobertas científicas realizaram "saltos gigantescos" em poucas décadas, muito embora ainda não tenham encontrado soluções para a degradação progressiva e devastadora do Planeta, em virtude das mutações genéticas intercambiáveis. Com a criação do ADR, vieram também outros tipos de problemas: a droga do raciocínio, além de causar vício, uma vez ingerida, também produzia efeitos colaterais, levando seus usuários a viagens psicodélicas prolongadas e incontroláveis.
Uma parte da Terra vive às escuras, numa noite eterna; a outra, sob sol constante. Uma leve alteração no eixo de rotação do planeta, devido à reverberação sônica que adveio com a explosão de Júpiter, pôs fim a 90% da civilização humana e alterou radicalmente a geografia desenhada pelos antigos continentes e oceanos. O Planeta permanece dividido em dois hemisférios: não mais Norte e Sul, mas Lado Escuro e Lado Claro, como são chamados.
O Lado Escuro, sem motivo aparente que justifique tal condição ambiental, está limpo das bactérias - e, ao que se supõe, de outros organismos também. Já o Lado Claro, está infestado delas, de modo que a raça humana que o habita, vive em um abismo sem fim: as bactérias do ar cercearam a vida dos seres. Os mares se expandiram tanto, que as terras se dividiram. Foi necessário quase um século para que a raça humana remanescente se reorganizasse efetivamente e os cientistas produzissem o ADR , isso em meio a todos os problemas ecossistêmicos, psicossociais e à avassaladora peste de bactérias mutantes, que além de restringir (e destruir) vidas humanas na Terra, ironicamente também o fez com os antígenos causadores de outras doenças, pois que os destruiu também.
O governo está centralizado, mas o poder não é totalitário, absoluto. A fome de viver consiste em arquivar mais e mais informações acerca das condições de sobrevivência da espécie e então, morrer.
A Falha Genética, como ficou conhecido o fenômeno da infertilidade feminino-masculina, tem inviabilizado o nascimento biológico de bebês há alguns anos. Isso veio acontecendo aos poucos, até que um dia, deram conta de que já não existiam mais crianças. Ainda se nasce pelo processo in-vitro, mas não mais a partir do encontro entre óvulo e espermatozoide. Há uma gama de genes e substâncias organo-ativas que, devidamente combinadas, asseguram a procriação da espécie, abreviando consideravelmente o tempo de maturação que um filhote da espécie humana pura necessitaria para se desenvolver.



Em Abril
254.01 Iniciando processo
"Estou relatando os acontecimentos do último Dia do Aviso. A criatura oferece resistência extrema. Lembra-me a violência com que reagimos instintivamente quando ameaçados. Seu corpo pequeno, cerca de meio metro de altura e aproximadamente 30 quilos, está sujo e deteriorado em algumas partes: fede como podre. Profere palavras ininteligíveis à minha compreensão. Pergunto-me sobre a violência de suas reações e não encontro respostas. Possivelmente represento uma ameaça para ele, mas não me utilizo de gestos bruscos, tampouco me porto agressivamente. Mas receio que vá perder o controle, pois também possuo instintos e, às vezes, me vêm ao pensamento um desejo homicida de por fim a este selvagem infantil. Contudo, preciso pesquisar, chegar ao coração dele, se é que ele o possui."

254.03 Reabrindo arquivo: intercorrências "Ontem, após o Dia do Aviso, recebi a visita de duas médicas. Uma delas me abraçou e me beijou na orelha e na boca, enquanto a outra deitou-se no divã: enigmática, entre risos, ficou nos observando. Em dado momento, o selvagem me agrediu nas pernas, com os dentes à mostra, e eu tive vontade de chutá-lo. Cheguei a sacudi-lo com força, mas não continuei porque as duas, aos gritos, passaram a me censurar dizendo que eu havia perdido a cabeça.. Nesse instante, um réptil elétrico, não sei vindo de onde, avançou sobre o selvagem. Talvez tivesse entrado em meu cômodo e se escondido, enquanto eu voltava do Dia do Aviso. Eu o interceptei a tempo de evitar que algo mais grave acontecesse com meu truculento objeto de estudo: consegui imobilizar o elétron-bichano no chão, mas fui picado várias vezes e a dor foi terrível. Agarrei o réptil nojento e o atirei na parede, mas ele avançou novamente enquanto eu protegia o pequeno selvagem.
Com a criatura nos braços a me morder e o réptil nas pernas a me picar, a dor foi tanta, que acabei ficando anestesiado, sentindo apenas o gosto adocicado nos lábios, sobras dos beijos da médica que me excitara momentos antes. Quase desmaiado, pude ainda ver quando a médica do divã abateu o réptil, foi pouco antes de apagar completamente.”

254.05 Notas esquizoides
“São as escadas. Tudo está na mente. Às vezes caio no abismo ou então mergulho dentro dele. Anotei coisas em papéis do governo, mas amassei e joguei tudo fora depois. Foi o adrenalizante... o maldito ADR.. Todos sabem, todos sabem...sem ele seríamos completos inúteis, com ele também, há há.....
Eu tenho essa criatura aqui e é muito complicado explicar. Estou fazendo um estudo sobre o comportamento do selvagem e percebo que sou igual a ele.
E esse maldito Dia do Aviso, quando somos obrigados a sair de nossas cabinas, isso me irrita muito: a cada ciclo, a mesma perda de tempo... Por que nos expomos a isso? Pra quê?
O selvagem... A criança... Percebo semelhanças óbvias. Somos iguais a ele. Eu e todos os outros aqui, nesse inferno sujo.”

254.08 Recuperação e Retomada de Arquivo "Cheguei ao fim de uma temporada sob tratamento intensivo. As picadas que levei do réptil elétrico me deixaram muito doente. Encontrei-me com Lyah. Ela trouxe minha dosagem depósito de ADR e eu consegui pensar um pouco. Fizemos sexo violento."

254.12 Reunião Inesperada
"Recebi visitas e eu não estava preparado. Minha máquina de esterilização deu problema eu precisei ligar urgente para a Equipe Técnica do Centro de Esterilização, um departamento do Instituto de Proteção que presta serviços de emergência. Eles vieram em dez minutos e concertaram em mais dez, após os quais, pude finalmente receber meus amigos: depois de tanto tempo desprotegidos do lado de fora, já estavam cansados de esperar e, provavelmente, contaminados. Da própria sujeira do ar das máscaras. Usaram a máquina e pudemos nos divertir um pouco. Como se sabe, é proibido por lei sair das cabinas de proteção depois do toque de recolher, uma vez que nesse período novas substâncias antibiotóxicas são testadas. Mas, clandestinamente, fazemos algumas reuniões, tomamos ADR alterado e conversamos sobre vários assuntos.
Os caras do Centro de Esterilização ficaram olhando para meus amigos, mas nada disseram. Respeitaram minhas divisas de Médico Chefe do Centro de Pesquisas."

254. 15 - Dia do Aviso

"Estamos todos reunidos no pátio em frente ao grande Edifício do Congresso, ouvindo os intermináveis discursos do governo, tendo ao fundo, os clássicos de Morfarrjedg. Foram distribuídas novas máscaras. Mas, como todos nós sabemos, elas não isolam totalmente, não conseguem conter a fúria bacteriana que infesta o ar com novas formas e tamanhos. Às vezes, me pergunto se vale `a pena tudo isso: tanto ADR, tantos antibióticos venais profiláticos, tanta esterilização insulínica... então me lembro que, em meu abrigo, tenho uma criatura, um pequeno selvagem que foi trazido na última expedição ao Lado Escuro da Terra. E é tão importante para mim conseguir descobrir como foi que ele sobreviveu: sem luz, sem dispositivos antibacterianos, sem ADR... Qual será sua defesa e por que ele se mantém irredutivelmente violento, uma vez que meu tratamento não é dos mais perversos?... Segundo sabemos, não existem mais crianças. E o selvagem é um dos habitantes perdidos, que viveu do Lado Escuro. Mas nada sabemos do Lado Escuro.
Pausa (...)

254. 17: Continuação - Dia do Aviso:
Não aguento mais estes clássicos. Preciso ouvir TecnoSharkall nesta claustrofóbica cabina de proteção."

254.22 : Lyah grávida
"Como pode?! Não existem grávidas no planeta, pelo menos não desse Lado do planeta. Fico imaginando o que sairá daquela barriga... Sabemos tudo sobre estas pseudo-grávidas, sobre ventres que não geram nada, a não ser vermes e mais bactérias. Se é verdade que os genes humanos foram irreversivelmente enxertados, a Engenharia Genética encontrou seu fundo. Testamos tudo o que foi possível. Sei que Liah está aflita. Mesmo assim ela ainda pensa que pode gerar um filho dali. Mas não existem mais crianças. Não existem mais. Acabaram-se, com o tempo. Além disso, a atmosfera bacteriana alterou todos os nossos processos fisiológicos.
Encontramos um meio difícil de reprodução em laboratório, substituindo várias características de um DNA original e ocupando os espaços vazios deixados pela falha genética. Absurdo, mas verdadeiro. Somos criados em laboratório. Pelo menos 75% de todo nosso corpo é uma combinação matemática - ainda sob  influência do acaso - feita em laboratório. Os cientistas que desenvolveram este processo optaram por dar maior desenvolvimento ao cérebro, tornando-o mais racional e desprovido de emoções. Mesmo assim, com toda a inteligência e a mente funcionando intensamente, ainda não encontramos um meio de solucionar o problema da esterilidade humana e descobrir meios de garantir a procriação da espécie fora das quatro paredes do laboratório. Alguns cientistas afirmam que a natureza revoltou-se contra nós, que desenvolveu meios de, a cada investida cientifica, alterar-se mais e mais para escapar à destruição. Ingênuos, será que não conseguem ver para além dessa dualidade?
Mas isso não importa. Sou um biólogo geneticista. Não devo me preocupar com isso. Além do mais, a vida é muito curta e já tenho preocupações por demais. Prefiro meu ADR, isso sim ainda me dá algum entusiasmo. Estou sentindo aquela sensação estranha, a qual chamamos de pena.
Tenho pena de Liah."

254.39 : Carta Branca
"Estou seriamente compelido a abrir o selvagem. Talvez uma injeção de flúor ativo o paralise a ponto de abri-lo. Hoje de manhã, ele vomitou novamente em cima de mim. Senti nojo. Não sei mais o que ele quer. Nós: eu, Liah e outra novata, demos um banho de sal no pequeno monstro. Precisamos esterilizá-lo duas vezes por dia. Ele está mal. Tivemos que adaptar uma focinheira para que ele não nos mordesse mais.
Fizemos uma reunião à tarde, com os técnicos do DGA (Departamento de Genética Avançada). Foi uma calamidade. Liah havia ingerido muito ADR e não conseguia se expressar coerentemente. No final, ficou decidido que podemos fazer com o menino todos os exames necessários, mesmo que intrusivos. Isso significa incisão cerebral. Não gostei muito disso. Na verdade, quero estudar o sexo dele. Vou abrir seu saco escrotal e retirar amostras de espermatozoides."



Em Setembro
255.00 : Renomeado arquivo - Operação Gen&T

"Terminamos o estudo preliminar. Ele não está muito contente. Parece que agora se acalmou um pouco. Mesmo depois de abrirmos algumas partes do seu corpo, ele parece estar mais calmo. A operação foi totalmente gravada para o Museu Arquivo. Uma equipe médica muito volumosa fazia parte da plateia, gerando um certo tumulto, que foi logo contornado pela guarda do centro de recuperação. Ao fim, ensanguentado, pedi alguns minutos para me recuperar e logo depois voltei ao trabalho. No entanto, tivemos que suspender os estudos pela tarde. Liah estava muito mal. Levei-a para o centro médico auxiliar, desativado há alguns anos e reinaugurado em abril. Ela está sob observação. Ao que parece, está no quinto mês de gestação de "sabe-se-lá-o-quê". Os médicos estão assustados. Dizem que isso não acontece há mais de 150 anos: uma mulher chegar ao quinto mês. E viva!.
Voltei para o meu abrigo. Tive que passar a noite ouvindo gemidos do selvagem. O efeito do flúor ativo está passando, então a dor vem queimando a carne. Já passei por isso, quando precisei substituir o rim. Já experimentei o flúor ativo. É terrível."


255.03 Operação Gen&T: segunda fase
"O selvagem gritou muito durante a noite. Tive que colocá-lo na câmara de gás. Ele dormiu depois, quando já era madrugada. Mas eu não consegui dormir mais.
Vesti a roupa térmica, coloquei a máscara JY-8 (azul) e fui para o Centro Médico. Procurei por Liah. Ela estava acordada também. Nós conversamos um pouco: ela me pareceu muito magra para uma grávida. Em alguns momentos, ela delirava pela falta do ADR , então tinha convulsões, babava e tremia todo o corpo. Saí do centro médico arrasado.
Não que eu sinta amor por Liah, não é isso. Aliás, isso nem existe mais. Esse é um dos 'sentimentos-palavra´ que estão no Museu Arquivo. Apenas senti muita pena dela; afinal, ela deixa que eu a use sexualmente. Eu também permito que ela me use. Temos um acordo aprovado pelo governo, com todos os papéis em ordem.
Quando estive no Centro Médico, gritei para ela enquanto um dos atendentes me segurava por trás, impedindo que eu pulasse sobre a cama: ela espumava e se debatia em sua crise de abstinência. Eu disse:_ "Sua estúpida!!! Tínhamos um acordo.”_ Eu queria apertar a barriga dela e tirar dali aquele intruso, mas os seguranças não deixaram.
Voltei para o abrigo e o selvagem estava tenso. Adentrei o campo magnético e fui até ele: olhei fundo dentro de sua íris amarelada. Subitamente, ele me olhou também. Naquele momento, senti um calafrio: ele estava olhando para os meus olhos, talvez através dos meus olhos e, de repente, sua expressão modificou-se visivelmente, como se pudesse ver a si próprio através de mim ou algo em mim que o intrigasse: sim, ele estava pensando! Aparentemente impossível, mas ele parecia estar pensando... talvez pensando sobre mim. Ou quem sabe sobre ele mesmo?... Ele então ajeitou-se de cócoras, com os braços esticados ao longo do corpo, pernas ligeiramente afastadas, e continuou a me olhar por um bom tempo... À certa altura, entre divagações e vertigens, resolvi sair dali. O ADR provavelmente tinha me impregnado de novo, gerando um efeito de ilusão especular e confusão de sentidos.
Penso que talvez vá ter que abrir a cabeça dele. Isso me chateou. Mas eu preciso dar respostas à Comissão de Inquérito do Governo e até agora não encontrei nada. Não descobri nada: somente especulações. Não temos mais opções de estudo, a não ser analisar as amostras do tecido cortical e a anatomia interna dos órgãos vitais. Talvez o ADR não esteja sendo suficiente como estímulo disparador de ideias inteligentes, uma vez que o vício aplacou toda minha capacidade de raciocínio espontâneo.
Seja você um selvagem, um menino ou uma fera: não há remédio!  Vou perdê-lo para sempre."

255.10: Liah - Sétimo Mês
"Liah entrou em coma. Os médicos dizem que não podem fazer mais nada por ela. Dentro dela, da barriga dela, existe uma criatura viva. Abolimos os processos X-r para sabermos o que está ali dentro e não existem mais equipamentos desse tipo, mas sabe-se que é uma  homo criatura e que está viva. Ouve-se o coração através dos aparelhos. Tudo é muito ilógico.
Liah... Por que você deixou que isso acontecesse?...

259.00: Novatórias do Dia do Aviso
"Foi determinado hoje, que uma nova expedição sairá daqui a três meses para o Lado Escuro da Terra. Eu estive pensando em me inscrever para ir também. Não sei... não sei...Estou confuso ainda."

259.87 operação Gen&T - terceira fase

"Abri o selvagem hoje pela manhã. Ele me pareceu ter chorado, concluí depois. Ali, na mesa fria, com aquelas luzes de alumínio e todo aquele plástico derretido, pensei:_" Não há mais futuro para o que restou da raça humana. O cérebro do menino era lindo: limpo de bactérias. Não estava contaminado como os nossos. Retirei amostras vivas. Fui pressionado a isso.
À tarde, depois de levar os exames para a máquina de análise em varredura, voltei para o abrigo.
O selvagem estava morto.  Morreu pálido e triste."

259.97: Final de Arquivo
"Estou inscrito no programa expedicionário. Passei pelos exames preliminares. Não suporto mais meu abrigo. Estou com 17 anos, tenho mais poucos anos de vida... Com todos os enxertos genéticos que adquiri isso é certo. Não posso perder mais tempo. -Tempo é o que não posso perder."

260.00 Liah
"Faleceu ontem à noite....
Deu à luz... Ela não sentiu nada, estava em coma fazia dois meses.
A criatura é horrível. Nasceu envolta em uma gosma branca. Os médicos estão mantendo a criatura viva, submersa em um tanque de regeneração à base de ácido fluorídrico. Aparentemente está em fase de progressão biológica. Tornou-se uma celebridade, mas ninguém acredita que vá viver muito tempo. Talvez eu precise fazer alguns exames escrotais antes de partir com os expedicionários. Querem saber o que eu tenho aqui embaixo, entre as pernas. Eu e mais umas quarenta pessoas. Liah estava designada para servir muita gente. Ela tinha quinze anos. É mesmo uma pena. Perdi Liah pra sempre. Senti muita pena dela...  Depois, de mim."

sexta-feira, julho 09, 2004

Soneto

Cria a desventura que um dia
Em teus braços macios de realidade
Dormiria o sono das felicidades
Dormiria em leito de sal e pedra

Cria que faria amanhecer sem sóis ou céus
Ou nuvens de tempestade
Não faria esvaecer nem sombra louca ou maldade
Apenas sonhos e sons de anjos bêbados

Ali se deitou certa de sua pureza
Certa da virgindade bem guardada
A sete chaves na arca de vidro no fundo do mar.

Ali se deitou e adormeceu tranqüila
E a realidade embalando sua doce e fria agonia
Enquanto procriava lamentos e cânticos à insanidade.

Meia noite e meio dia

Sangria que não cessa
sangria que não mata
sangria que transforma
em rio toda mágoa.

Crise

Haxixe e óleo água límpida e raio dormência e rabiscos palavras e sentidos sentidos sem palavras cólera e amor chuva e lençóis molhados areia fina nas roupas nas costas por dentro pelos de gato nos pratos e xícaras e talheres suor nas toalhas úmidas e papel higiênico desenrolado boiando n’água transparente do vaso flores velhas curvando em sua essência pétalas caindo caindo caindo sobre a mesa velha de madeira cheirosa sândalo perfume de deusas do mar e bolhas de perfume entre os dentes e entre os olhos lacrimejando saudade doida de alguém que não possui forma precisa mais na memória haxixe e álcool visão distorcida dos prédios embaixo do viaduto que se entorta em direção a escuridão da avenida e vão os pombos batendo as patas voando em rebanho juntar-se a alcatéia de pardais e ao marujar de cabras se bem que os peixes voadores mandam um sinal abstrato ao chefe da estação vizinha que adormece sentadinho na cadeira de balanço enquanto seu cachimbo sucumbe a tênue linha de fumaça as crianças correm e gritam andando nos trilhos se vier um trem sai daí que os anjos estão jogando poker e podem distrair um segundo mamãe não grita que o filho está dormindo mamãe não chora que o pai já está indo mamãe não morre que hoje tá um dia lindo mamãe não some que a noite é um menino cheio de vodka sem sorriso e sem destino...